Museus boicotam Putin mas mantêm outras figuras polêmicas

Presidente Russo, Vladimir Putin foi retirado de museus de cera no Brasil e Paris (Foto: Divulgação/Dreamland)

No dia 24 de fevereiro de 2022, a Rússia invadiu a Ucrânia, inciando uma guerra que segue até esta segunda, 7 de março. Neste início de semana, a Rússia fez uma lista de condições para encerrar os ataques. O governo de Vladimir Putin quer que a Ucrânia aceite o reconhecimento de Donetsk e Luhansk como países independentes, além de uma mudança constitucional para não aderir à União Europeia ou à Otan. Kiev exige que as tropas russas saiam imediatamente de seu território sem pré-condições.

Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), ao menos 364 civis morreram na Ucrânia. Autoridades ucranianas falam em até 2.000 civis mortos. Ao todo, a crise migratória na ucraniana já soma 1.735.068 pessoas.

Enquanto os presidentes da Ucrânia, Volodimir Zelenski, e da Russia, Vladimir Putin tentam chegar a um acordo sobre a retirada de civis e sobre cessar fogo, em outros lugares do mundo, como Brasil, Paris e EUA, atrações turísticas, bares e restaurantes, cancelam símbolos e produtos russos. Também nesta segunda, o presidente da Ucrânia pediu um boicote global a todos os produtos da Rússia, inclusive ao petróleo.

Na Alemanha e em Londres, supermercados boicotam vodkas e até pasta de dentes vindas da Rússia. No Canadá e nos EUA, bares baniram a tradicional bebida russa. Em alguns restaurante dos EUA o famoso drink Moscow Mule (drink feito de vodca, gengibre e suco de limão) teve o nome alterado para Kiev Mule, em solidariedade aos ucranianos.

Boicote à Rússia

Aqui no Brasil, dois museus seguiram o famoso Grévin Museu de Cera de Paris, na França, e ostracizaram uma figura russa: o presidente Vladimir Putin. Em Gramado (RS) e Olímpia (SP), a estátua do presidente da Rússia foi retirada do Dreamland, museu de cera que tem unidades nas duas cidades brasileiras.

Segundo a gerência do Grupo Dreams, que administra o parque temático, a medida se dá em virtude da invasão das tropas do exército da Rússia à Ucrânia. “É uma decisão temporária, mas que deverá ser mantida até que o conflito acabe”, explicou a gerente comercial, Gabriela Barbalho.

A estátua de Vladimir Putin ficava exposta na “sala dos presidentes”, cenário que também abriga o líder norte-coreano Kim Jong-un e os ex-presidentes norte-americanos Donald Trump e Barack Obama. A mesma medida foi tomada pelo Grupo Dreams em seu museu em Gramado (RS).

De acordo com o Grupo, apesar do Museu de Cera retratar a história do mundo e ser um espaço onde fatos e fantasia se misturam, a experiência deve ter como foco principal o entretenimento, algo que não condiz com o momento atual.

É realmente complicado incluir figuras políticas polêmicas, como Trump, Obama, Kim Jong-un e Putin em uma atração turística. Afinal, todos estão envolvidos em questões violentas.

Para falar sobre o episódio envolvendo as atrações turísticas, Hi-Mundim conversou com Lucas Taoni, bacharel e licenciado em Geografia, mestre e doutorando em História pela UNESP. Leia o artigo abaixo:


Museus, bonecos de cera, Vladimir Putin: uma improvável combinação

“No Brasil e no resto do planeta, museus estão em uma situação muito confusa. De um lado, eles ainda são merecidamente reconhecidos como as instituições que cuidam dos documentos, das artes, das memórias e afins que, em geral, nos permitem olhar para a nossa experiência humana com alguma dignidade ou admiração.

Porém, por outro lado, os museus não têm mais o mesmo prestígio que tiveram um dia, não são mais tão interessantes como nas outras décadas, ou porque as formas de entretenimento de hoje colocaram a experiência de ir aos museus no desuso, ou talvez porque a função social da arte no nosso século seja só a de divertir. Falando o português claro: quase sempre ficamos com uma preguiça enorme de ir aos museus, eles ficaram chatos para a maioria de nós e, aqui só entre os mais íntimos, Netflix não é mesmo bem mais legal do que sair de casa pra ver coisas velhas?

No Estado de SP, por exemplo, o Museu do Ipiranga é um caso famoso desta condição estranha entre a importância institucional e o abandono popular. Um: tem um acervo valiosíssimo que custa muito caro para ser mantido. Dois: gera centenas de empregos e está atrelado às grandes universidades. Três: oferece a quem visita uma experiência estética memorável e um orgulho escondido de ser brasileiro. Quatro: mesmo fechado para reformas desde 2019, não há lá para o Museu do Ipiranga um público muito grande para frequentá-lo, especialmente se compararmos às filas do cinemark.

Mas pensemos na experiência do museu… Ver peças da vida privada da família real, chegar perto dos restos mortais de gente muito rica, iludir-se com o enorme quadro ¨O grito do Ipiranga¨ de Pedro Américo, tudo sinal do que a gente já está acostumado a ver por aí, tipo as desigualdades sociais crônicas, as elites cheias de privilégios, às violências contra a população trabalhadora e injustiças à beça.

É muito curioso, mas apesar dos pesares, se jogássemos fora todas estas coisas de Dom Pedro e cia. não estaríamos fazendo qualquer coisa no mínimo muito estranha? Embora a gente não goste da ideia de um reizão ostentador coexistindo com a pobreza acachapante dos brasileiros, o jeito mais coerente de tratar nossa indisposição não é fingir que o passado não aconteceu.

Museus contam coisas boas e coisas ruins. Entretém e fazem pensar. Alegram e entristecem. Esta complexidade é, aliás, a alma dos museus todos.

Mas, este mundo dá voltas, e rápido. Há alguns poucos dias o ¨Dreamland Museu de Cera ̈ optou por retirar as imagens de cera de Vladimir Putin, presidente da Rússia, da sua coleção. Putin, que é um dos atores políticos diretamente responsáveis por este conflito entre Rússia e Ucrânia, no leste europeu, está sofrendo uma forma de – entre milhões de aspas – “retaliação política” do Dreamland.

Em Olímpia (SP) e Gramado (RS) a retirada das estátuas, na verdade, copiaram o que o Museu de Grévin de Paris fez igualzinho, sem por nem tirar, uma tentativa de moção de repúdio aos ataques que a Ucrânia sofreu é não deixar os visitantes verem um exótico boneco concebido à imagem e semelhança de Putin.

Isto é quase folclórico, e se não tivesse ocorrido na França falaríamos “só no Brasil mesmo…”.

É claro que ninguém quer se meter numa guerra contra o país que já derrotou Bonaparte e Hitler, porém, guardar bonecos de cera no almoxarifado até a poeira baixar na Europa é tipo tampar o sol com uma peneira velha ao meio dia no verão de Ribeirão Preto.

Não adianta nada porque, enfim, o que o ¨Dreamland Museu de Cera¨ fez/faz é o óbvio ululante de quem não sabe nadinha sobre museus… Agora, não sejamos injustos, não cabe ressentimentos, porque ali na sala presidencial da Dreamland ainda é possível tirar uma foto com Donald Trump e Kim Jong-un juntos! Juntos lado a lado! Já pensou? O ex-presidente dos EUA deliberadamente xenófobo (aquele que detesta estrangeiros) junto com o ditador norte-coreano que manda prender e manda matar por esporte. Não achou tão divertido? Então explore outras salas e faça aquela selfie trabalhada no filtro com o menino Neymar, ou de repente com o jamaicano Usain-Bolt na pose flecha humana.

Embora eu, em particular, goste bem mais da ideia de visitar o Harry Potter ou tirar satisfação com o Voldemort, já que até ontem minha cartinha de Hogwarts ainda não chegou. Quem sabe ela não chega no dia em que os museus voltarem a ter a importância que merecem? Eu tenho fé! Mas, até lá, o Putin de cera ficará escondidinho, só tomara Deus que ele não derreta…”

Lucas Taoni