Caipirinha: Patrimônio Cultural do Brasil

A genuína caipirinha é feita com cachaça | Foto: Marcelo Verfe/Pexels

Drinque mais consumido do Brasil e terceiro do mundo, caipirinha tem receita padronizada para evitar descaracterização

Drinque mais popular do Brasil e muito apreciada também no exterior, a caipirinha foi criada há pouco mais de 100 anos e tornou-se símbolo da gastronomia nacional, ao lado da feijoada.

Coquetel genuinamente nacional, a caipirinha está presente em grande parte dos churrascos, feijoadas, encontros festivos, bares e restaurantes – dos mais simples aos mais sofisticados – de todo o país. É o drinque mais consumido do Brasil e o terceiro do mundo.

Sucesso aqui e lá fora, a caipirinha passou a ganhar diferentes variações. A cachaça deu lugar a bebidas como rum, vodca e saquê. O limão foi trocado por outras frutas tropicais. Do drinque original restaram a característica de refrescância e o processo de macerar a fruta juntamente com o açúcar e a dose alcóolica.

Como forma de defender a bebida da descaracterização, a caipirinha foi declarada Patrimônio Cultural do Brasil em 2003 e teve sua receita original padronizada pelo governo federal. Desde então, para ser legitima, a caipirinha tem de ser preparada com cachaça branca pura, limão, açúcar e gelo. O teor alcoólico deve oscilar entre 15% e 36% e deve ser servida a 20°C.

Disputa geográfica

A verdadeira origem da caipirinha é alvo de discussão entre historiadores. A única certeza é que foi criada no Brasil, em algum momento entre o final do século 19 e o início do século 20.

Para alguns, a bebida surgiu em Piracicaba, no interior paulista. Outros defendem que a receita foi elaborada pela primeira vez em Parati, no litoral Rio de Janeiro. Também há quem diga ter sido feita originalmente na costa pernambucana.

Outra é de que teria sido criação de marinheiros, que recém chegados ao Rio de Janeiro, adicionavam limão às doses de cachaça que ingeriam para evitar e combater o escorbuto.

Também não é incomum encontrar santistas da gema, principalmente entre os mais antigos, que defendam o porto de Santos – SP como local da invenção e os marinheiros que lá aportavam como verdadeiros autores do drinque.

Estudiosos, no entanto, tratam as duas últimas versões como lendas. Para isso alegam falta de evidências que sirvam de comprovação histórica.

Disputa de classes

A disputa em torno do coquetel não é apenas geográfica, mas também de classes. A versão mais aceita entre os pesquisadores, utilizada oficialmente pelo Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac), é a de que a caipirinha é resultado da adaptação de uma receita de remédio caseiro usado na prevenção e tratamento da gripe espanhola. A receita original do antigripal trazia a mistura de limão, alho, mel e cachaça, ingrediente que acelerava os efeitos terapêuticos.

Já de acordo com o historiador, antropólogo, advogado e jornalista Luís da Câmara Cascudo, a caipirinha é uma criação da elite paulista. O drinque teria sido criado por latifundiários piracicabanos, no final do século 19, como opção ao uísque e ao vinho, para animar festas e eventos de alto padrão, reflexo da cultura canavieira.

Devido ao baixo preço dos ingredientes, a bebida teria ganhado popularidade rapidamente, inclusive entre as classes mais baixas da sociedade, levando a elite do interior de São Paulo a retirar a caipirinha dos cardápios festivos.

Origem do nome

Uma das histórias versa que o drinque ganhou o nome caipirinha dos marinheiros, assim que a receita chegou ao porto de Santos – SP. Eles teriam buscado inspiração na origem interiorana da receita.

Uma segunda versão traz que o nome do drinque foi dado em homenagem à pintora Tarsila do Amaral, natural de Capivari – SP, e conhecida por servir caipirinha preparada com ingredientes genuinamente brasileiros aos ilustres visitantes de sua casa em Paris, na França.

Inclusive, em uma dessas ocasiões, Tarsila teria servido o drinque ao pintor espanhol Pablo Picasso, que declarou-se seduzido com a refrescância e o sabor marcante da caipirinha.

Difusão

No início do século 20 já era possível degustar a caipirinha em estados com tradição na cultura canavieira, especialmente em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. A bebida começa a ganhar projeção nacional a partir da Semana da Arte Moderna de 1922.

A caipirinha foi eleita pelos artistas participantes do evento como símbolo da brasilidade, por sua simplicidade, refrescância e sabor marcante. Após terminado o evento que entrou para a história do país, os próprios artistas introduziram a caipirinha em seus estados de origem.

Diferentemente do que o sucesso da caipirinha no Brasil possa sugerir, o consumo de cachaça por aqui sempre foi carregado de preconceito. São poucos os momentos ao longo da história em que a aguardente de cana-de-açúcar não esteve atrelada à pobreza e à escravidão.

A fabricação e venda no Brasil foi permitida somente a partir de 13 de setembro de 1661, data em que nos dias de hoje comemora-se o Dia Nacional da Cachaça.

Caipiroska e outras versões alternativas

O preconceito em torno da cachaça, que apesar de menor hoje em dia ainda existe, levou o brasileiro a adotar a vodca como principal opção alcoólica no preparo do drinque.

A variação fez sucesso ao ponto de levar uma das principais fabricantes de vodca do país, a Smirnoff, a fazer da Caipiroska sua marca registrada.

No embalo da Smirnoff, a fabricante Bacardi registrou a sua versão do drinque, a Caipiríssima, que leva rum branco no lugar da cachaça.

A saquerinha é outra variação da caipirinha que faz sucesso entre os brasileiros. Em vez de cachaça, o drinque leva saquê, aguardente de arroz de origem japonesa.

Outra versão alternativa do drinque que faz muito sucesso é a frozen, que leva suco de limão, açúcar, cachaça, ou vodca, ou rum ou saquê e muito gelo. Os ingredientes todos são batidos no liquidificador, deixando o coquetel como uma espécie de raspadinha alcoólica.

A criatividade sem limites já levou o brasileiro a criar até a caipilé. Nessa receita o gelo é substituído por um picolé com sabor que combine com a fruta macerada no drinque.

Caipirinha perfeita

Não bastasse a disputa geográfica e de classes, o corte do limão para o preparo da caipirinha é outro tema que divide opiniões. Para alguns, a parte branca do meio do limão tem de ser retirada para que o drinque não fique amargo. Para outros, basta cortar o limão em rodelas finas e macerar suavemente para evitar o amargor.

Consenso entre os especialistas é que o limão para preparar a genuína caipirinha é o taiti, que deve estar maduro e com a casca lisa e brilhante. Outra unanimidade entre quem entende do assunto é a de que, quanto melhor for a cachaça utilizada na receita, melhor será o resultado.

Considerado um dos principais profissionais da coquetelaria no mundo, Derivan Ferreira de Souza, que é adepto de retirar a parte branca central do limão, traz sua receita para uma caipirinha perfeita.

Receita

Ingredientes

Gelo

1 limão taiti maduro com a casca lisa e brilhante

50 ml de cachaça de alambique branca

2 colheres de chá de açúcar cristal

Preparo

Pegue o limão taiti e corte as laterais. Faça um corte no meio e retire a parte branca. Corte as duas metades do limão mais duas vezes, ficando com 8 pedaços ao todo.

Coloque os pedaços dentro de um copo próprio para caipirinha (raso). Coloque a parte da polpa do limão virada para cima.

Em seguida, coloque duas colheres de chá de açúcar cristal.

Macere suavemente os pedaços de limão para extrair o seu suco. Tente não agredir a casca.

Depois, encha o copo com gelo.

Coloque uma dose (50ml) de cachaça, de preferência de alambique.

Misture tudo com uma colher ou bailarina.